Notícias

20 de Outubro de 2021

Um guerreiro a menos - por Isaque Cangussu

Compartilhar:

20210925151427_614f67039cabf.jpeg

Há mais de 15 anos, eu conhecia um paulista, radicado em Minas Gerais, com passagem por Brasília, que chegava à região nordeste do país, pelo portão de Sergipe. Local de encontro: Academia da Polícia Civil do Estado de Sergipe, onde faríamos o Curso de Formação de Delegados de Polícia, após aprovação nas fases anteriores do respectivo concurso público. 

Marcelo, com sobrenome incomum, forte e leve, ao mesmo tempo - Hercos Lyrio - era o nome daquele colega que eu teria a sorte e a alegria de, dentre outros, conhecer e me tornar amigo. 

Poucos meses depois, já estávamos nomeados, empossados e compondo a carreira de Delegado de Polícia do Estado de Sergipe. Desde os primeiros dias de exercício, Marcelo já revelava uma especial vocação para a atividade policial, destacando-se nas primeiras lotações, sendo alçado à posição de Delegado Regional de circunscrições importantes, como Lagarto e Itabaiana. Futuramente, ganharia a chance de trabalhar na capital. 

Inquieto, Marcelo buscava se aperfeiçoar e elegeu como foco a área tático-operacional. Fez diversos cursos nesse segmento, no Brasil e no exterior, valendo destacar o do Batalhão de Operações Especiais/BOPE RJ e outro realizado em Israel. Generoso, não guardava para si os aprendizados e se colocava à disposição para transmitir os conhecimentos adquiridos, sendo instrutor em cursos para os colegas policiais sergipanos. 

No dia 21 de setembro de 2021, Marcelo se deparou com uma situação de flagrante delito e, mesmo em horário de folga, não hesitou em agir e deu voz de prisão a três criminosos que aplicavam golpes em comerciantes, passando notas falsas. Um dos flagrados, de forma oportunista, desobedeceu o comando e esboçou uma tentativa de fuga e/ou reação ilegítima. Marcelo agiu para frustrar a ação e acabou sendo covardemente arrastado por um veículo e atingido com três disparos de sua própria arma, que ficou ao alcance do bandido, após o seu desequilíbrio e a sua queda. 

É fato que não existe situação que justifique disparar contra um homem da lei, que apenas cumpria o seu dever, sem cometer qualquer excesso, já desarmado e caído ao chão. Mas nem se trata de cogitar justificativa, e sim lógica racional. Se a intenção era a fuga do local do crime, o que explica os disparos contra a Autoridade, na situação supracitada, se não apenas o puro exercício da malvadeza? 

Depois de 26 dias resistindo aos graves ferimentos e procedimentos médicos sensíveis, Marcelo deu o seu último suspiro e se despediu deste mundo, tendo frustrados projetos e sonhos pessoais e profissionais, dos mais caros aos mais simples. Um exemplo dos primeiros é a oportunidade de ser pai. Esse direito sagrado lhe foi tolhido. Difícil haver perdão para isso. Exemplo dos desejos mais simples que ficaram no caminho era o de ver seu time de coração se sagrar campeão brasileiro. Atleticano ferrenho e apaixonado pelo futebol (inclusive, bom de bola), ele nunca esteve tão perto de testemunhar esse feito. Afinal, a primeira e única vez que o galo ganhou esse título foi 7 anos antes do seu nascimento. E neste ano, o Atlético Mineiro desponta como favorito à conquista do título, liderando com boa vantagem a competição. 

São dessas coisas grandiosas, como ser pai, e simples, como torcer por um clube de futebol, que é feita a vida. Vida que lhe foi subtraída imediatamente por um homem e de forma mediata por uma política e uma cultura nacionais de encarar os policiais como sujeitos de inúmeras obrigações e responsabilidades, sem a devida correspondência por direitos e proteção devida. Na maioria das vezes, em situações de abordagens, os policiais se veem equilibrando-se em uma corda bamba, em que à esquerda está a possibilidade da fritura pública, dizimação da reputação moral e social, processo e prisão e à direita, a extinção da própria existência. 

Reflexão e revisão dessa perspectiva são medidas urgentes para que se demonstre que as vidas dos policiais também importam. Enquanto isso não acontece, é mais um "vá com Deus, guerreiro" que pronunciamos.

 

Isaque Heverton Dias Cangussu

Presidente da Adepol/SE

Este site usa cookies para fornecer a melhor experiência de navegação para você. Para saber mais, basta visitar nossa Política de Privacidade.
Aceitar cookies Rejeitar cookies