Hoje, eu me peguei pensando em Michel; não o Temer, mas o Foucault. Michel escreveu muita coisa digna da eternidade. Quando veio ao Brasil, ele fez algumas conferências que foram reunidas na obra A Verdade e as Formas Jurídicas.
Nessas conferências, todas esplêndidas, o autor explica que a investigação criminal surgiu como mecanismo de busca da verdade, mas que hoje importa menos saber a verdade e mais, muito mais, cumprir as regras do processo.
Lembrei de um vídeo dessa semana: um homem algemado, sendo conduzido por um homem engravatado. O primeiro é colocado num carro pelo segundo. Pensei: é um policial conduzindo um preso... mas não era!
Estranhamente, era um advogado levando um preso a uma viatura! No final, o advogado diz que o preso, que passava notas falsas numa loja de posto de combustíveis, atirou no delegado que o abordara porque não sabia se tratar de um policial, e que aquele preso também era vítima da fatalidade.
De imediato, revi as imagens da abordagem do delegado: o manuseio técnico da arma, mantida em 45° e o uso do telefone para chamar reforço, nem de longe, parecem a conduta típica de quem inverte violentamente bens alheios para si.
E eis que Michel tem toda razão: não importa se alguém apertou um gatilho mais de uma vez; não importa quem vinha do trabalho, quem estava passando notas falsas; não importa se o funcionário do local teria que retirar do próprio salário o prejuízo; não importa se, nesse exato momento, o meu colega delegado Marcelo Hercos se encontra numa UTI; não importa que Marcelo tenha se dedicado tanto à Polícia que ainda não tinha conseguido realizar o projeto filho na escola, como ele chamava a paternidade responsável.
O que importa agora é garantir... garantir que o advogado escolha a equipe policial e diga ao preso que aqueles policiais são de sua confiança; garantir que três homens possam mentir à vontade; garantir que mil palavras valham mais que uma imagem; garantir que o processo apague a verdade.
Francisco Gerlandio Gomes dos Santos
Delegado de Polícia Civil de Sergipe