Notícias

06 de Outubro de 2021

Entre notas e imagens, onde está a verdade? - por Gerlândio Gomes

Compartilhar:

Hoje,  eu me peguei pensando em Michel; não o Temer,  mas o Foucault. Michel escreveu muita coisa digna da eternidade. Quando veio  ao Brasil, ele fez algumas  conferências que foram reunidas  na obra A Verdade e as Formas Jurídicas.

Nessas conferências, todas esplêndidas, o autor  explica que a investigação criminal surgiu como mecanismo de busca da verdade,  mas que hoje importa menos saber a verdade e mais, muito  mais,  cumprir as regras  do processo.

Lembrei de um vídeo dessa semana: um homem algemado, sendo conduzido por um homem engravatado. O primeiro é  colocado num carro pelo  segundo. Pensei: é  um policial conduzindo um preso... mas não  era!

Estranhamente, era um advogado levando  um preso a uma viatura!  No final,  o advogado diz que  o preso, que passava notas falsas numa loja de posto de combustíveis, atirou no delegado que o abordara porque não  sabia se tratar de um policial, e que aquele preso também era vítima da fatalidade.

De imediato,  revi as imagens da abordagem do delegado:  o manuseio técnico da arma, mantida em 45° e o uso do telefone para chamar reforço,  nem de longe, parecem a conduta  típica de quem inverte  violentamente bens alheios para si.

E eis que Michel tem toda razão: não importa se alguém apertou um gatilho mais de uma vez; não importa quem vinha do trabalho,  quem estava passando notas falsas; não importa se o funcionário do local teria que retirar do próprio salário o prejuízo; não importa se, nesse exato momento, o meu colega delegado Marcelo Hercos se encontra numa UTI; não importa que Marcelo tenha se dedicado tanto à Polícia que ainda não tinha conseguido realizar o projeto  filho na escola, como ele chamava a paternidade responsável.

O que importa agora é garantir... garantir que o advogado escolha a equipe  policial e diga ao preso que  aqueles policiais são de sua confiança; garantir que três homens possam mentir  à vontade; garantir que  mil palavras valham mais que uma imagem; garantir que o processo apague a verdade.

Francisco Gerlandio Gomes dos Santos
Delegado de Polícia Civil de Sergipe

Este site usa cookies para fornecer a melhor experiência de navegação para você. Para saber mais, basta visitar nossa Política de Privacidade.
Aceitar cookies Rejeitar cookies