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18 de Julho de 2015

DO DELEGADO DE PULSO PARA UMA SOCIEDADE SEM PULSO

Recentemente, uma amiga minha de infância me contou que na cidade dela a violência está sem controle. Tráfico, assassinatos, assaltos e todo um rosário de crimes amedrontam os moradores. Disse que o clima lá é de terror.

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Recentemente, uma amiga minha de infância me contou que na cidade dela a violência está sem controle. Tráfico, assassinatos, assaltos e todo um rosário de crimes amedrontam os moradores. Disse que o clima lá é de terror. Ao final, ela me disse que a cidade precisava de um delegado de pulso, que se tivesse um delegado de pulso tudo estaria resolvido.

 

De cara, pensei que a cidade dela não está muito diferente da imensa maioria de cidades brasileiras. Ao mesmo tempo, lembrei-me de minha mãe dizendo: “viva de forma que nunca tenham razão para colocar algemas nos seus pulsos”. Passei então a conjecturar o que seria esse tal delegado de pulso? Imaginei então que seria alguém proativo, obstinado, alguém que se dedicasse com todas as forças às investigações, que tentasse sempre construir uma polícia imparcial e eficiente e..., para minha surpresa, veio-me à mente vários delegados que conheço com essa característica, de forma que imaginei que todos eles são então esse tal delegado de pulso... e mais ainda: desconfiei que o delegado da cidade da minha amiga também tenha essas características e, por lógica, também seja um delegado de pulso!

 

Então passei a me questionar: se o problema da segurança pública é nacional, e se temos vários delegados de pulso, por que não acabamos com esse problema? Supus então que seria necessário reconhecer que os delegados de pulso não têm, vamos dizer assim, esse pulso todo...


Porém, deliberei que a problemática estivesse associada a outras causas que não dizem respeito apenas aos delegados, com pulso ou sem pulso. Entre elas: falta de Educação, e deliberei que os Estados Unidos são um sucesso educacional; apontei a pobreza e a má distribuição de renda, mas ponderei que desde a implantação das Bolsas Família e etc, a violência só cresceu...

 

Supus então que a causa seja a menoridade penal, e conjecturei que nos Estados Unidos não há moleza para a garotada; ou que fosse nosso precário sistema prisional, frente ao impecável sistema carcerário dos EUA.

Deliberei que talvez se tivéssemos uma Justiça como a norte-americana, com juízes e promotores eleitos pelo povo, talvez solucionássemos nossos problemas, pois teríamos nossa imensa massa de cônscios eleitores decidindo, e seriam de fato maravilhosas as campanhas: “vote no juiz fulano, esse prende de verdade”, ou “vote no promotor sicrano, que nunca acusa em vão!”.

 

Por fim, conjecturei ainda que talvez a problemática de nossa violência esteja relacionada à pena de morte e mais uma vez comparei com... isso mesmo!

 

Ao fim de tudo, ocorreu-me o seguinte: Nos Estados Unidos, menor é tratado como maior, os jovens têm acesso à Educação e ao emprego, eles têm pena de morte, um sistema prisional fantástico, uma justiça admirável e, pasmem, o FBI! Uma das melhores polícias do mundo, talvez a melhor. Contudo, mesmo assim, eles têm uma imensa população carcerária, uma alta taxa de reincidência criminal, uma criminalidade juvenil extremamente violenta e, vejam só, são uns dos maiores traficantes de drogas do mundo.

 

Por outro lado, o Japão não tem nada disso, tem apenas uns policiais com cassetetes nas mãos, mas mesmo assim tem um baixíssimo número de homicídios. E enquanto ninguém mata ninguém no Japão, na Suécia estão fechando presídios por falta de presos e os ministros da mais alta corte de lá vão trabalhar de bicicleta. Mas nem no Japão, nem na Suécia, há delegados de pulso... Estranho, não?

 

O povo sueco e o japonês têm alguns traços em comum: são disciplinados, exigentes de si mesmos e primam pela retidão de seus atos; respeitam o próximo e aceitam seus limites. O povo norte americano e o brasileiro também têm traços em comum: são devastadores, espaçosos, extremamente poluidores, adoram bagunça e curtem o mesmo hambúrguer...

 

Pensando bem, vou dizer à minha amiga que melhor do que termos delegados de pulso, seria que tivéssemos cidadãos de pulso, um pulso bem forte para se controlarem e não imporem som alto aos vizinhos; para não votarem pelo níquel que floresce no primeiro domingo de outubro; pulso para entenderem que não se pode vender de tudo, nem se pode comprar de tudo e, portanto, não se deve vender drogas nem comprar produtos piratas; pulso para adquirirem seus bens com o suor do próprio rosto, como manda o Velho Livro, e não com o suor do rosto do vizinho que deve 72 parcelas de uma moto; pulso para recusarmos o emprego que o tio político nos oferece; pulso para não dirigir depois de beber; pulso para não fazer favorzinho ao vizinho traficante; pulso para não tolerar que políticos corruptos continuem a mandar no país, pulso pra não ser tão hipócrita...

 

Enfim, precisamos mesmo é de uma sociedade de pulso! Pulso no qual ninguém nunca coloque um par de algemas... nem mesmo um delegado de pulso!

 

Gerlandio Gomes Santos

Delegado de Polícia de Sergipe

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