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08 de Fevereiro de 2021

A biopirataria na Amazônia Brasileira - por Lauana Guedes

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A biopirataria na Amazônia Brasileira - Estudo de caso do Perfume Chanel n.5                                                   

                                                             Lauana Guedes Carvalho (
*)


 

RESUMO                                                                                                               

A busca desenfreada do homem por recursos naturais, visando a sua transformação em produto, com o escopo exclusivo de lucro, demonstra que seu consumo irresponsável está em completo antagonismo com a preservação ambiental. O presente artigo científico objetiva analisar a biopirataria no Brasil, em especial aquela decorrente da extração do linalol, componente do óleo extraído do pau rosa, uma espécie nativa da floresta amazônica. A importância se justifica pela conservação da biodiversidade e a proteção dos conhecimentos tradicionais. Traz como problemática o seguinte: o regime jurídico internacional e brasileiro são suficientes para impedir o prejuízo socioeconômico, a não-conservação da biodiversidade, a extinção de espécies e o desequilíbrio ecológico, na medida em que houve milhares de abates de florestas, levando, inclusive, o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis) a incluir o pau rosa na lista das espécies em perigo de extinção, em 1992? Para tanto, a metodologia utilizada baseou-se em pesquisa bibliográfica e documental, através da análise de doutrinas, documentos, legislações e demais textos científicos pertinentes à temática.

Palavras-chave: Floresta Amazônica. Biodiversidade. Extração de madeira. Ameaça de extinção. Biopirataria.

 

ABSTRACT

Man's unbridled pursuit of natural resources, seeking to transform them into products, with the exclusive scope of profit, demonstrates that his irresponsible consumption is in complete antagonism with environmental preservation. This scientific article aims to analyze biopiracy in Brazil, especially that resulting from the extraction of linalool, a component of oil extracted from pau rosa, a native species of the Amazon rainforest. The importance is justified by the conservation of biodiversity and the protection of traditional knowledge. The following is problematic: the international and Brazilian legal regime is sufficient to prevent the socioeconomic damage, the non-conservation of biodiversity, the extinction of species and the ecological imbalance, as there were thousands of forest logging, leading, including , IBAMA (Brazilian Institute of Environment and Renewable Resources) to include rosewood on the list of endangered species in 1992? The methodology used was based on bibliographic and documentary research, through the analysis of doctrines, documents, laws and other scientific texts pertinent to the theme.

Keywords: Amazon rainforest. Biodiversity Wood extraction. Threat of extinction.Biopiracy.

 

1-INTRODUÇÃO
 

 A Floresta Amazônica é uma das maiores florestas tropicais do mundo e está localizada na região Norte da América do Sul. Ela ocupa mais de 61% do território brasileiro. Rica em biodiversidade, possui uma fauna que corresponde a 80% das espécies no Brasil e uma flora que contem de 10 a 20% das espécies vegetais do planeta terra.
 

Sendo a Floresta Amazônica um dos ecossistemas brasileiros mais importantes, possui representatividade com sua amplitude de fauna, flora e demais espécies bióticas, e por isso costuma ser alvo de práticas ilícitas por parte de “biopiratas”, que no intuito de lucrarem com a matéria prima existente nesse biota, entram clandestinamente no local, retirando, sem a devida autorização, produtos da madeira. Um exemplo é o pau rosa, em que, com a extração do óleo linalol das folhas da árvore do pau rosa, a França aufere lucros vultosos, sem que haja qualquer repasse de valor para o país detentor do produto. No âmbito mundial, por sua vez, a floresta Amazônica abrange nove países da América do Sul, sendo o maior reservatório biológico do planeta, possuindo vários biomas.


Além disso, a floresta Amazônica detém inúmeras fontes energéticas, e por isso vem sendo alvo de exploração econômica por parte de países desenvolvidos, que conseguem acelerar o processo de tecnologia, farmacêutico cosméticos, dentre outros ramos, às custas de recursos naturais alheios. Essa apropriação indevida traz prejuízos para o Brasil e é atentatória dos direitos humanos.


A atividade exploratória de recursos naturais da Amazônia é feita de modo predatório e, portanto, prejudica não apenas os recursos naturais, mas também a conservação de suas espécies, sendo uma forte ameaça ao ecossistema. No que refere à exploração da madeira, causa grande impacto ambiental.


A falta de controle no acesso à Amazônia e sua vasta extensão propiciam a retirada ilegal dos produtos, tendo diversos setores sido contemplados com altos lucros em detrimento da extração de madeira da Amazônia, como é o caso do óleo retirado do pau rosa para a essência do perfume francês Chanel nº 05. A Floresta Amazônica precisa ser povoada para que haja um controle maior sobre a biodiversidade.


Os países em desenvolvimento, de modo geral, são os que detêm a maior biodiversidade do planeta, incluindo nesse contexto o Brasil, a Indonésia, o México, a Malásia. Por outro giro, as patentes oriundas dessas matérias primas ficam concentradas em países do Norte, como os Estados Unidos, o Japão, a China, havendo, assim, um nítido desequilíbrio econômico entre as nações. 


Durante muitos anos, países Europeus vieram buscar na maior floresta tropical, A Amazônia, suas espécies, com o puro interesse econômico, dentre elas o óleo utilizado para o sucesso do perfume famoso: Chanel nº 05. As “fortunas” da Amazônia atraem os empreendedores.


A metodologia utilizada deu-se através de uma abordagem qualitativa do problema, sendo a pesquisa de natureza exploratória, utilizando-se do procedimento de pesquisa bibliográfica e documental, através da análise de doutrinas, documentos, legislações e demais textos científicos pertinentes à temática, além de ter sido feita uma análise histórica, em razão de o problema ter caráter social.

 

2-BIOPIRATARIA E A EXPRORAÇÃO DA AMAZÔNIA

 

A biopirataria, termo muito usado como envio irregular de material genético de um país para outro, remonta à época do descobrimento do Brasil, quando os portugueses extraíam o pigmento vermelho do pau brasil, além de conhecimentos tradicionais e indígenas. Outra situação em que se observou a biopirataria foi quando os ingleses levaram a semente da seringueira, arruinando o ciclo da borracha, em razão da posterior exportação do látex pelas colônias britânicas na Malásia. O rol exemplificativo de biopirataria é extenso, tornando-se temática global nos últimos tempos.


Na obra De Barros, houve a demonstração de que a pirataria no Brasil não é recente:

Desde que a esquadra de Pedro Álvares Cabral atracou em Porto Seguro (Bahia), o Brasil vem sendo alvo da pilhagem de seu patrimônio biológico e genético”. Como exemplo, o autor cita o caso da borracha natural, extraída da seringueira, espécie da Amazônia. Essa foi levada do Brasil para a Ásia onde se deu seu plantio. (DE BARROS,2007, p.57)

                                     

A seringueira (Hevea brasiliensis) foi o caso mais conhecido de biopirataria. Os biomas brasileiros onde existe concentração de biopirataria são a Caatinga, a Amazônia, o Pantanal e a Mata Atlântica, atraindo estrangeiros e piratas.

Segundo Luís Mauro Sampaio Magalhães (1979, p.1):

 A grande pressão socioeconômica que sofre hoje a Amazônia, tanto por   grupos econômicos interessados em explorar a mesma área, quanto pela migração populacional observada nos últimos anos, faz com que se tente disciplinar a exploração de recursos naturais, com a ocupação de novas áreas por correntes migratórias de forma mais ordenada.

A preservação da biodiversidade mundial é realizada por cada Estado da Federação, o qual explora seus próprios recursos, só havendo que se permitir a retirada com a anuência do país detentor da matéria prima.

A biopirataria é a exploração ilegal da fauna e flora sem autorização do país proprietário das espécies. Além do problema da apropriação indevida de recursos naturais, existe a possiblidade da extinção da espécie.

Sobre a exploração de florestas, Maria Antônia Malajovich dispôs que:

As florestas naturais têm um valor intrínseco importantíssimo na conservação da biodiversidade. No entanto, a lenha ainda é utilizada como combustível, e a exploração de madeiras representa um mercado global de mais de US $ 400 bilhões. As florestas também são uma fonte de matéria-prima para a indústria de papel e celulose. As biotecnologias facilitam o reflorestamento através da micropropagação e do plantio clonal de árvores mais produtivas e de crescimento rápido. O mapeamento de genomas (Pinus, Eucalyptus) e a utilização de marcadores genéticos permitem selecionar alelos, em genes que controlam a variação fenotípica. As duas tecnologias se aplicam também para a obtenção de árvores que possam crescer em solos áridos (salinidade, acidez). Técnicas de engenharia genética visam reduzir a lignina em 45-50% de maneira a diminuir a necessidade de tratamentos altamente poluentes no processamento da polpa. De um modo geral, a maioria dos estudos sobre essências está sendo realizada em relação aos gêneros Pinus, Eucalyptus, Picea, Populus, Quercus e Acácia. Vários países já realizaram experiências de transformação genética em árvores. Na China, a tecnologia será fundamental para o reflorestamento; por enquanto 300-500 hectares têm sido plantados com Populus resistente a insetos (portador de um transgene codificador da toxina do Bacillus thuringiensis. (MALAJOVICH, 2012, p. 144).
 

A conceituação de Biopirataria é apresentada por Leandro Pereira de Barros, advinda do Instituto Brasileiro de Direito do Comércio Internacional, da Tecnologia da Informação e Desenvolvimento – CITED, nos seguintes termos:

Biopirataria consiste no ato de aceder ou transferir recurso genético (animal ou vegetal) e/ou conhecimento tradicional associado à biodiversidade, sem a expressa autorização do Estado de onde fora extraído o recurso ou da comunidade tradicional que desenvolveu e manteve determinado conhecimento ao longo dos tempos (prática esta que infringe as disposições vinculantes da Convenção das Organizações das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica A biopirataria envolve, ainda, a não-repartição justa e eqüitativa - entre Estados, corporações e comunidades tradicionais - dos recursos advindos da exploração comercial ou não dos recursos e conhecimentos transferidos ( DE BARROS, 2007, p. 44)

 

Verifica-se, pois, que, o conceito de biodiversidade abrange a totalidade da variação hereditária existente nos seres vivos. De acordo com MALAJOVICH, p.143 “aplica-se em todos os níveis de organização biológica, desde os genes e cromossomos de uma espécie até as diversas espécies ou comunidades presentes em ecossistemas como as florestas ou os rios”.
 

À medida em que ocorre a escassez de recursos naturais, grandes potências econômicas, como Japão, Estados Unidos, França veem o avanço da fronteira como o caminho para a ampliação de seus segmentos econômicos e industriais. A biodiversidade passa, então, a ser questão estratégica na geopolítica global. Os recursos da biodiversidade são a matéria-prima dos produtos do mercado biotecnológico, que muitas vezes são patenteados.

Nos últimos anos, com os avanços tecnológicos, a atividade ilegal exploratória aumentou, o registro de marcas e patentes se multiplicou, bem como a possibilidade de acordos internacionais sobre as explorações. A valorização econômica da biodiversidade trouxe uma nova “roupagem” à biopirataria.


As pessoas físicas e jurídicas consumidoras de matéria prima florestal, a exemplo de empresas de cosméticos que produzem o perfume Chanel nº 05, são obrigadas a elaborar e implementar o Plano de Suprimento Sustentável – PSS, que será submetido à aprovação do órgão ambiental competente. O PSS, por sua vez, será parte integrante do processo de licenciamento.

Sendo a manutenção da biodiversidade essencial ao bem-estar da humanidade, com benefícios locais diretos, como o estoque de material genético de plantas e animais, a Lei 12.651/12 determinou regras de exploração vegetal:

  

Art. 31. A exploração de florestas nativas e formações sucessoras, de domínio público ou privado, ressalvados os casos previstos nos arts. 21, 23 e 24, dependerá de licenciamento pelo órgão competente do Sisnama, mediante aprovação prévia de Plano de Manejo Florestal Sustentável - PMFS que contemple técnicas de condução, exploração, reposição florestal e manejo compatíveis com os variados ecossistemas que a cobertura arbórea forme.§ 1º O PMFS atenderá os seguintes fundamentos técnicos e científicos - caracterização dos meios físico e biológico;II - determinação do estoque existente; III - intensidade de exploração compatível com a capacidade de suporte ambiental da floresta; IV - ciclo de corte compatível com o tempo de restabelecimento do volume de produto extraído da floresta; V - promoção da regeneração natural da floresta; VI - adoção de sistema silvicultural adequado; VII - adoção de sistema de exploração adequado;VIII - monitoramento do desenvolvimento da floresta remanescente;IX - adoção de medidas mitigadoras dos impactos ambientais e sociais.
 

           No procedimento administrativo de licenciamento, se aprovado o empreendimento, será expedida licença ambiental que, nos termos do Art. 1º, II da Resolução do CONAMA 237/97 é definida por:

Ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente estabelece    as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadores dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.    
 

         No mesmo sentido, a Constituição Federal dispôs:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: ...II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; (…)VII-proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. § 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

Assim, a proteção dos conhecimentos tradicionais vem assegurada no artigo 215, § 1º da Constituição Federal: “o Estado protegerá as manifestações das culturas populares indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”. A exploração da matéria transformada por parte de países com elevado poder econômico se sobrepõe à própria sustentabilidade ambiental.

 

3-A REGULAMENTAÇÃO DA BIOPIRATARIA E O CASO O PERFUME CHANEL Nº 05   

 

Lançado em 1921, pela estilista francês COCO CHANEL, tendo alcançado a fama após a atriz Marilyn Monroe anunciar que era seu perfume predileto. O fixador natural do perfume é o linalol, componente do óleo extraído de uma espécie da floresta Amazônica, o pau rosa. Esse perfume alimenta a indústria cosmética francesa durante muitos anos, sendo um dos perfumes mais vendidos do mundo, apesar de seu elevado valor comercial.

Após o saque do óleo de nossa floresta Amazônia, a Franca produz o perfume, vendendo, em seguida, ao mundo todo, inclusive aos próprios possuidores, os brasileiros.

Segundo Dinorah Ereno, Pau rosa nº05. Folhas de árvore da Amazônia garantem a continuidade da produção do perfume Chanel (2005, p. 5): 

Lançado no dia 5 de maio de 1921, o Chanel nº 5 faz sucesso até hoje. Símbolo de requinte e elegância, o perfume foi criado por Ernest Beaux, reconhecido como um dos maiores perfumistas de todos os tempos, a pedido de Gabrielle Chanel, mais conhecida como Coco. A estilista queria um perfume de mulher, mas diferente de todos os outros vendidos na época baseados em aromas florais. A fórmula, além do óleo essencial do pau rosa, leva jasmim de Grasse – uma cidade na região de Provença, na França –, ilangue-ilangue, néroli (óleo extraído das flores de laranjeira), sândalo e vetiver. A composição foi a primeira do gênero que mesclou essências de flores com aldeídos, substâncias obtidas por síntese química. Oito décadas após seu lançamento, o nº 5 continua sendo um perfume clássico e ao mesmo tempo contemporâneo. Há controvérsias sobre a escolha do número 5 para a fragrância. Alguns dizem que esse era o número de sorte de mademoiselle.

 

A retirada ilegal de princípio ativo da natureza óleo linelol além de reduzir a riqueza do Bioma Floresta Amazônica, causa prejuízo ao Brasil, que deixa de ganhar com a arrecadação. O Brasil perde quantias consideráveis e pouco se empenha para a contenção desses danos. Quanto à retirada tão-somente do material genético, é algo que dificulta sobremaneira a fiscalização, e o que vem acontecendo de modo mais acentuado com a Biotecnologia. Além de ter seus produtos contrabandeados, o Brasil precisa pagar Royates pelos produtos importados.
 

Segundo a lei 9.605/98 (lei dos crimes ambientes), a biopirataria não é crime no Brasil, havendo apenas um projeto de lei para sua criminalização: o projeto de lei nº 7735/2014- proclamado Marco Regulatório da Biodiversidade. Ademais, não existe fiscalização rigorosa na prática predatória. Isso se justifica pela falta de valorização da diversidade biológica e interesse social em sua preservação.
 

A convenção sobre a biodiversidade de 1992 determinou que cada país é soberano no que diz respeito à biodiversidade no seu território.


O Brasil aderiu formalmente à Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB por meio do Decreto Federal nº 2.519/1998. “Art. 1º A Convenção sobre Diversidade Biológica, assinada no Rio de Janeiro, em 05 de junho de 1992, apensa por cópia ao presente Decreto, deverá ser executada tão inteiramente como nela se contém”.
 

O documento técnico básico contendo as diretrizes e procedimentos para a exploração racional da floresta, no intuito de obter benefícios econômicos, social e ambientais é o Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS). 

A Convenção sobre a Diversidade Biológica, oriunda da Conferência Nacional das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, conhecida por ECO 92, formada por 180 países, dentre eles o Brasil, teve o objetivo de conservação da diversidade biológica, o uso sustentável de seus componentes e a repartição justa e equitativa entre eles dos benefícios advindos da mercancia dos recursos naturais.
 

Em discordância com essa determinação, países desenvolvidos avançam fronteiras e “roubam” nossos produtos, a exemplo da França, que se apropriou do óleo retirado das folhas da árvore do pau rosa, locupletando-se ilicitamente.

Essa Convenção é governada pela Convenção das partes, que já se reuniu dez vezes. A COP 10 foi o encontro, realizado no Japão, onde se assinou o Protocolo de Nagoya e foram estabelecidas as 20 Metas de Aichi.
 

O primeiro documento que consubstanciou o terceiro objetivo da CDB (repartição justa de benefícios) foi o protocolo de Nagoya, aprovado na10ª CDC, ocorrida em 2010, no Japão, o qual complementou a Convenção da Diversidade Biológica, conferindo segurança jurídica às relações entre os países fornecedores e usuários de recursos genéticos e assegurando remuneração dos detentores de conhecimento tradicionais, por parte das empresas que fizerem uso desses conhecimentos.
 

Segundo esse protocolo, os países que o ratificarem, são obrigados a designarem instituições nacionais para constatarem o consentimento prévio informado da comunidade, quando for o caso, verificarem se foi estabelecido um contrato de repartição de benefícios e se houve um documento de autorização de acesso aos recursos genéticos, principalmente quando oriundos de outros países.
 

Apesar de sua vasta biodiversidade, o Brasil apenas assinou o protocolo. Não ratificou o documento, por pressão feita pelo setor do agronegócio brasileiro, o que é desvantajoso para o país, visto que não terá o direito de exigir que sejam respeitados seus direitos, quando do tráfico internacional de seus produtos.
 

A Convenção sobre Diversidade Biológica dispõe no Art. 15: “o acesso aos recursos genéticos deve estar sujeito ao consentimento prévio fundamentado da parte contratante provedora desses recursos, a menos que de outra forma determinado por essa parte. Já o protocolo de Nagoya determina a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos.
 

Regra sobre repartição de benefício vem expressa no Art. 15 do protocolo de Nagoya, nos seguintes termos:

Cada Parte adotará medidas legislativas, administrativas ou políticas apropriadas, efetivas e proporcionais para assegurar que os recursos genéticos utilizados em sua jurisdição tenham sido acessados de acordo com o consentimento prévio informado e que termos mutuamente acordados tenham sido estabelecidos, conforme exigido pela legislação ou pelos regulamentos nacionais de acesso e repartição de benefícios da outra parte.

 

Outra obrigação prevista no protocolo de Nagoya é proporcionar segurança jurídica, clareza e transparência nas normas para utilização de recursos genéticos. Essa determinação está atendida nos moldes da lei 13.123/15.

Além do estabelecimento de normas claras e transparentes nas legislações, o protocolo de Nagoya exige uma autorização de acesso ou equivalente, como prova do consentimento prévio da parte provedora do acesso ao recurso genético e/ou conhecimento tradicional associado. Referida autorização será transformada em um certificado internacionalmente reconhecido de cumprimento das legislações nacionais.
 

A apresentação desse certificado ocorrerá de acordo com os pontos designados pelos países componentes do protocolo, os quais indicará um ou mais pontos de controle em seus territórios, para fins de comprovação da origem lícita dos recursos.
 

As normas do protocolo de Nagoya só têm aplicação a partir de sua entrada em vigor, ou seja, o acordo não tem efeito retroativo.         
 

Em relação às comunidades tradicionais, a lei 13.123/15 assegura o direito de consentir ou não com o acesso a seus conhecimentos, na forma do Art. 24 e obriga os usuários a definir os benefícios a serem repartidos em contrato: “Art. 24. Quando o produto acabado ou o material reprodutivo for oriundo de acesso ao conhecimento tradicional associado que seja de origem identificável, o provedor de conhecimento tradicional associado terá direito de receber benefícios mediante acordo de repartição de benefícios.”
 

Cabe ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e ao Conselho da Marinha a competência para fiscalizar os casos de acesso irregular ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado, bem como a não repartição de benefícios, a exploração da imagem de comunidades tradicionais, a omissão da origem do conhecimento tradicional e a remessa não autorizada de componente do patrimônio genético ao exterior.
 

Após vários diálogos a respeito da Biodiversidade, foram elaboradas metas nacionais, as quais foram levadas a consulta pública, culminando em um documento, que fora submetido ao MMA (Ministério do Meio Ambiente). O processo resultou, em 2013, na aprovação da resolução nº06 da CONABIO, que dispõe sobre as metas nacionais de Biodiversidade para 2020.Dentro dos cinco objetivos estratégicos da CDB, o Brasil estabeleceu vinte metas nacionais, denominadas Metas de Aichi.
 

Em Contribuições do Setor Empresarial Brasileiro para o cumprimento de metas do Aichi (2014, p.33):

Meta 1. Até 2020, no mais tardar, a população brasileira terá conhecimento dos valores da biodiversidade e das medidas que poderá tomar para conservá-la e utilizá-la de forma sustentável. Meta 2. Ate? 2020, no mais tardar, os valores da biodiversidade, geodiversidade e sociodiversidade serão integrados em estratégias nacionais e locais de desenvolvimento e erradicação da pobreza e redução da desigualdade, sendo incorporado em contas nacionais, conforme o caso, e em procedimentos de planejamento e sistemas de relatoria. Meta 3. Ate? 2020, no mais tardar, incentivos que possam afetar à biodiversidade, inclusive os chamados subsídios perversos, terão sido reduzidos ou reformados, visando minimizar os impactos negativos. Incentivos positivos para a conservação e uso sustentável de biodiversidade terão sido elaborados e aplicados, de forma consistente e em conformidade com a CDB, levando em conta as condições socioeconômicas nacionais e regionais. Meta 4.Ate? 2020, no mais tardar, governos, setor privado e grupos de interesse em todos os níveis terão adotado medidas ou implementado planos de produção e consumo sustentáveis para mitigar ou evitar os impactos negativos da utilização de recursos naturais. Meta 5. Até 2020 a taxa de perda de ambientes nativos será reduzida em pelo menos 50% (em relação às taxas de 2009) e, na medida do possível, levada a perto de zero e a degradação e fragmentação terão sido reduzidas significativamente em todos os biomas. Meta 6. Até 2020, o manejo e captura de quaisquer estoques de organismos aquáticos serão sustentáveis, legais e feitos com aplicação de abordagens ecossistêmicas, de modo a evitar a sobre exploração, colocar em prática planos e medidas de recuperação para espécies exauridas, fazer com que a pesca não tenha impactos adversos significativos sobre espécies ameaçadas e ecossistemas vulneráveis, e fazer com que os impactos da pesca sobre estoques, espécies e ecossistemas permaneçam dentro de limites ecológicos seguros, quando estabelecidos cientificamente. Meta 7. Até 2020, estarão disseminadas e fomentadas a incorporação de práticas de manejo sustentáveis na agricultura, pecuária, aquicultura, silvicultura, extrativismo, manejo florestal e da fauna, assegurando a conservação da biodiversidade. Meta 8. Ate? 2020, a poluição, inclusive resultante de excesso de nutrientes, tera? sido reduzida a níveis na?o-detrimentais ao funcionamento de ecossistemas e da biodiversidade. Meta 9. Até 2020, a Estratégia Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras deverá estar totalmente implementada, com participação e comprometimento dos estados e com a formulação de uma Política Nacional, garantindo o diagnóstico continuado e atualizado das espécies e a efetividade dos Planos de Ação de Prevenção, Contenção, Controle. Meta 10. Até 2015, as múltiplas pressões antropogênicas sobre recifes de coral e demais ecossistemas marinhos e costeiros impactados por mudanças de clima ou acidificação oceânica terão sido minimizadas para que sua integridade e funcionamento sejam mantidos.  Meta 11. Até 2020, serão conservadas, por meio de unidades de conservação previstas na Lei do SNUC e outras categorias de áreas oficialmente protegidas, como APPs, reservas legais e terras indígenas com vegetação nativa, pelo menos 30% da Amazônia, 17% de cada um dos demais biomas terrestres e 10% de áreas marinhas e costeiras, principalmente áreas de especial importância para biodiversidade e serviços ecossistêmicos, assegurada e respeitada a demarcação, regularização e gestão efetiva e equitativa, visando garantir a interligação, integração e representação ecológica em paisagens terrestres e marinhas mais amplas. Meta 12. Até 2020, o risco de extinção de espécies ameaçadas terá sido reduzido significativamente, tendendo a zero, e sua situação de conservação, em especial daquelas sofrendo maior declínio, terá sido melhorada. Meta 13. Até 2020, a diversidade genética de microrganismos, plantas cultivadas, de animais criados e domesticados e de variedades silvestres, inclusive de espécies de valor socioeconômico e/ou cultural, terá? sido mantida e estratégias terão sido elaboradas e implementadas para minimizar a perda de variabilidade genética. Meta 14. Até? 2020, ecossistemas provedores de serviços essenciais, inclusive serviços relativos à água e que contribuem a? saúde, meios de vida e bem-estar, terão sido restaurados e preservados, levando em conta as necessidades de mulheres, povos e comunidades tradicionais, povos indígenas e comunidades locais, e os pobres e vulneráveis. Meta 15. Até? 2020, a resiliência de ecossistemas e a contribuição da biodiversidade para estoques de carbono terão sido aumentadas através de ações de conservação e recuperação, inclusive por meio da recuperação de pelo menos 15% dos ecossistemas degradados, priorizando biomas, bacias hidrográficas e eco regiões mais devastados, contribuindo para mitigação e adaptação a? mudança climática e para o combate a? desertificação. Meta 16. Ate? 2015, o Protocolo de Nagoya sobre Acesso a Recursos Genéticos e a Repartição Justa e Equitativa dos Benefícios Derivados de sua Utilização terá? entrado em vigor e estará? operacionalizado, em conformidade com a legislação nacional.  Meta 17. Ate? 2014, a estratégia nacional de biodiversidade será atualizada e adotada como instrumento de política, com planos efetivos, participativos e atualizados, que deverá prever monitoramento e avaliações periódicas. Meta 18. Ate? 2020, os conhecimentos tradicionais, inovac?o?es e pra?ticas de Povos Indi?genas, agricultores familiares e Comunidades Tradicionais relevantes a? conservação e uso sustentável de biodiversidade, e a utilização consuetudinária de recursos biológicos terão sido respeitados, de acordo com seus usos, costumes e tradições, a legislação nacional e os compromissos internacionais relevantes, e plenamente integrados e refletidos na implementação da CDB com a participação plena e efetiva de Povos Indígenas, agricultores familiares e Comunidades Tradicionais em todos os níveis relevantes. Meta 19. Até? 2020, as bases científicas, e as tecnologias necessárias para o conhecimento sobre a biodiversidade, seus valores, funcionamento e tendências e sobre as consequências de sua perda terão sido ampliados e compartilhados, e o uso sustentável, a geração de tecnologia e inovação a partir da biodiversidade estarão apoiados, devidamente transferidos e aplicados. Até 2017 a compilação completa dos registros já existentes da fauna, flora e microbiota, aquáticas e terrestres, estará finalizada e disponibilizada em bases de dados permanentes e de livre acesso, resguardadas as especificidades, com vistas à identificação das lacunas do conhecimento nos biomas e grupos taxonômicos. Meta 20. Imediatamente à aprovação das metas brasileiras, serão realizadas avaliações da necessidade de recursos para sua implementação, seguidas de mobilização e alocação dos recursos financeiros para viabilizar, a partir de 2015, a implementação, o monitoramento do Plano Estratégico da Biodiversidade 2011-2020, bem como o cumprimento de suas metas.

 

Assim, as Metas de Aichi correspondem a vinte compromissos assumidos pelos países signatários, com parceria do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável) e da RBMA (Reserva da Biosfera da Mata Atlântica), no intuito de reverter a crise da perda da biodiversidade e garantir, até 2020, a resiliência dos ecossistemas e a provisão de seus serviços essenciais.

 

4-CONCLUSÃO

 

Os benefícios repartidos entre os detentores da matéria prima (países em desenvolvimento) e os possuidores de conhecimentos (Países desenvolvidos) deverão ser repartidos de modo equânime, a fim de ser dado efetivo cumprimento às normas ambientais, bem como políticas públicas de uso sustentável da biodiversidade deverão ser instaladas no Brasil para evitar o desmatamento ilegal e ser mantido o equilíbrio ecológico da humanidade.

A biopirataria segue a mesma lógica do sistema capitalista-colonialismo, pois países do Norte usufruem da matéria-prima do Sul, aumentando ainda mais a desigualdade entre ambos. 
 

A hierarquia entre o Norte e o Sul restará sanada apenas quando for colocado um imposto um modelo de socialização democrática e eco socialista, em transponha fronteiras. Para isso, será necessário que haja um novo sistema de relações entre as nações no âmbito interno e transnacionais, orientado pelos princípios da globalização contra hegemônica: o cosmopolitismo e o patrimônio comum da humanidade.
 

A clara oposição existente entre os países que retiram de modo ilegal produtos de países em desenvolvimento, como o Brasil, é observada por Boa Ventura de Souza Santos, como sendo a linha abissal, nos seguintes termos: “O resultado do pensamento abissal é a separação radical entre o mundo metropolitano e o mundo colonizado; esta linha abissal continua sendo estruturante do pensamento moderno eurocêntrico, estando na origem das relações políticas e culturais excludentes mantidas no sistema mundial contemporâneo”. (SANTOS, p.29).
 

Os principais pontos de conflitos entre os detentores de tecnologias avançadas e os possuidores de recursos naturais ocorrem na disputa sobre o controle das vias de acesso à informação. Enquanto os países desenvolvidos são capazes de agregar valor à biodiversidade no mercado globalizado e possuem o objetivo de preservação e acesso amplo e livre aos recursos genéticos e biológicos ali existentes, os países em desenvolvimento procuram a manutenção da soberania sobre sua biodiversidade, além do benefício de possíveis usos, em que pese não disponham de tecnologias apropriadas tampouco com recursos financeiros satisfatórios para que haja a devida conservação e sustentabilidade.
 

Assim, conclui-se que devemos pressionar os governos para incluir a biopirataria como um delito autônomo, previsto em lei específica, a fim de proteger o patrimônio nacional Brasileiro e promover o desenvolvimento nacional, um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, conforme Art.3.º, II da Constituição Federal Brasileira.

 

REFERÊNCIAS

 

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AMADO, Frederico. Direito Ambiental. Editora Jus Podivim, 2017;

 

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Biodiversidade: o Brasil e o Protocolo de Nagoya. Intertox. Disponível em:<https://intertox.com.br/biodiversidade-o-brasil-e-o-protocolo-de-nagoya/> Acesso em: 02 de Nov. 2019.

 

Contribuições do Setor Empresarial Brasileiro para o cumprimento das MetasdeAichi.CEBDS.Disponívelemhttps://cebds.org/wpcontent/uploads/2014/10/CEBDS_RBMA_COP12_PORTUGUES.pdf .Acesso em: 02 Nov 2019.

 

DE BARROS, Leandro Pereira. Biopirataria: Uma questão Geopolítica. Taubate. São Paulo, 2007;

 

Diálogo sobre o Protocolo de Nagoya entre o Brasil e União Europeia. Disponívelem<https://www.mma.gov.br/publicacoes/patrimoniogenetico.html?download=1025:protocolo-de-nagoia> Acesso em: 2 Nov. 2019;

 

Dinorah Ereno. Folhas de árvore da Amazônia garantem a continuidade da produção do perfume Chanel. Pesquisa Fapesp. Disponível em: <https://revistapesquisa.fapesp.br/2005/05/01/pau-rosa-n5/> Acesso em: 28 Out. 2019;

Floresta Amazônica. Disponível em:<http://floresta-amazonica.info/> Acesso em: 31 Out. 2019;

 

GARCIA, Leonardo de Medeiros;THOMÉ, Roméu. Direito Ambiental. Salvador. Editora Jus Podivm, 2013;

 

Governo brasileiro fecha o cerco contra a biopirataria na Amazônia.2019.Disponívelem:<https://www.youtube.com/watch?v=AXQiUQTFofQ> Acesso em: 29 Out. 2019;

 

Luís Mauro Sampaio Magalhães. Exploração Florestal da Amazônia. Disponível em:http://www.scielo.br/pdf/aa/v9n4s1/1809-4392-aa-9-4-s1-0141.pdf Acesso em 03 novembro 2019.

 

MALAJOVICH M. A. Biotecnologia 2011. Rio de Janeiro, Edições da Biblioteca Max Feffer do Instituto de Tecnologia ORT, 2012;

 

Presidência da República Casa Civil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12651.htm> Acesso em: 30 Out. 2019;

 

Resolução do CONAMA 237/97;

 

SANTOS, Boa Ventura de. Construindo as epistemologias do Sul. Antologia Essencial, VOL. 1, Editora Clacso, Coleção Antologias do Pensamento Social Latino-Americano e Caribenho, Rosa Luxemburg, Stiftung, 2018;

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(*)     Mestranda em Direitos Humanos pela Universidade Tiradentes. Graduada em Direito pelo CESMAC (Centro de Estudos Superiores de Maceió. Especialista em Direito Processual Civil pela UNISUL e Direito Penal pela Universidade Potiguar Delegada da Polícia Civil do Estado de Sergipe. E-mail: lauanal.guedes@gmail.com

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